Obra, organizada por estudante e docentes, traz histórias reais e fictícias relacionadas à covid-19 por meio de contos, poesias e desenhos

Uma das ilustrações presentes no livro, que estimulou o processo de escrita criativa de estudantes. Imagem: Reprodução

 

O ano de 2020 entra na história como um dos mais emblemáticos já vivenciados, por conta da pandemia de covid-19. Além das milhares de vidas perdidas, as medidas tomadas para evitar a disseminação do novo coronavírus modificaram de forma significativa o cotidiano das pessoas, em vários aspectos.

 

Em meio a esse cenário, a equipe do projeto de extensão da Universidade de Brasília Leituras Literárias Compartilhadas (LLC) colheu e organizou histórias reais e ficcionais relacionadas à pandemia em uma publicação, com o objetivo de eternizar este período ímpar, repleto de dúvidas e também de novidades. Intitulada Retratos e Memórias de uma Pandemia, da editora CRV, a obra foi organizada pela estudante de Enfermagem Caroliny Victoria Silva e os docentes Maria Inez Montagner e Miguel Ângelo Montagner, ambos do curso de Saúde Coletiva da Faculdade UnB Ceilândia (FCE).

 

A ideia do projeto e de elaborar um livro veio antes da pandemia, quando a professora Inez e uma estudante de Saúde Coletiva haviam percebido que faltavam espaços de discussão e estímulo à leitura literária na Universidade. "Nós entendemos a leitura literária como uma prática cultural de natureza artística, em que ela se torna prazerosa e não está vinculada diretamente à leitura acadêmica científica. Foi aí que nasceu o projeto de extensão LLC – Leituras Literárias Compartilhadas –, que uniu um bom grupo de alunos que ama ler e compartilhar suas experiências com os livros. Após muitas obras lidas e compartilhadas, decidimos escrever também", afirma Caroliny, que está no último semestre do curso. 

 

Com a evolução da pandemia, os integrantes do projeto decidiram dar projeção a narrativas sobre o atual cenário de saúde pública. "A ideia de organizar histórias pessoais e ficcionais a respeito da pandemia dentro de um livro foi de querer eternizar e representar um momento diferente de tudo que já vivemos. Momento de grandes incertezas e questionamentos, mas [também] de descobertas. Como profissionais da área da saúde e também como seres humanos, eu e os professores Inez e Miguel percebemos que no momento atual, nós precisávamos incrementar a ciência de um jeito diferente. Isso porque pessoas precisam de cuidado, de empatia e de atenção. Todos nós precisamos de cultura e arte para conseguir olhar de dentro para fora e nos preocuparmos mais com a vida e menos com a matéria", diz a estudante.

 

"O livro pretende fazer com que os leitores possam esquecer, mesmo que por um tempo, dos aspectos negativos que nós estamos vivenciando ou, em outros capítulos, identificar que existem pessoas passando por situações e sentimentos semelhantes. E assim, durante o processo de criação, cada autor de Retratos e memórias de uma pandemia pôde expressar seus sentimentos e sua criatividade, na infinidade das palavras", completa.

 

A professora Maria Inez Montagner acredita que a publicação destaca o potencial da literatura em nos auxiliar a melhor refletir sobre situações adversas: "Pretendemos mostrar que nos momentos limites, temos a imaginação, a ficção e a criatividade ao nosso lado. Por meio dos livros e da escrita, podemos nos abstrair por momentos e, a partir dessa sublimação, retornarmos com muito mais competência, leveza e discernimento às nossas vidas. Pois aprendemos, por meio da leitura, a não aceitar sem senso crítico o que nos impõem, mas sim a desenvolvermos nossos pensamentos".

A estudante de Enfermagem Caroliny Victoria Silva é uma das organizadoras do livro e acredita que a experiência contribui para sua formação acadêmica e cidadã. Imagem: Arquivo pessoal

 

PROCESSO CRIATIVO – Segundo Caroliny Silva, os autores tiveram liberdade e, ao mesmo tempo, autonomia para escrever experiências próprias, histórias ficcionais e expressar seus sentimentos por meio de contos, poesias e desenhos. "A tentativa de cada capítulo foi sugerir uma visão inesperada e momentos de iluminação. Acreditamos que é possível criar um equilíbrio entre a loucura de uma pandemia e a liberdade de flutuar entre as letras. Desse modo, os leitores são convidados a viajar para a dimensão das nossas histórias e narrativas de vivências e sobrevivências", compartilha.

 

A estudante conta qual instante mais a impactou durante o processo de desenvolvimento do livro: "O momento mais marcante na construção deste projeto foi justamente o percurso que trilhei. Pude ver a esperança ressurgir diante dos meus olhos, por meio do convite de professores tão queridos para dar vida ao nosso livro. Todo o processo me fez perceber que mesmo nesta situação tão delicada, existem oportunidades que nunca aconteceriam se a vida tivesse seguido seu curso normal. Aprendi que é possível criar laços, mesmo em reuniões virtuais, e também compartilhar sorrisos, empatia, coragem e companheirismo. Não foi só sobre conquistas e linhas de chegada, foi sobre quem me tornei durante a caminhada".

 

Para Caroliny, participar de todas as etapas da organização de um livro foi uma experiência nova e enriquecedora. "Retratos e memórias de uma pandemia foi um desafio diferente de tudo que já vivenciei. Até então, nos livros anteriores, minha participação foi como autora, e já é uma experiência incrível, mas todos ligados à área da saúde, com uma linguagem mais rebuscada e repleta de referências. Desta vez, a minha contribuição foi como autora e organizadora de uma obra desde a sua concepção, de todos os bastidores, processos burocráticos e também de escrita. Além disso, trabalhar com uma equipe comprometida foi um grande diferencial porque tornou mais fluida a tomada de decisão, a organização de tarefas e as escolhas que surgiram ao longo do processo", detalha.

 

Outro ganho importante foi para sua formação acadêmica e cidadã. "Esta oportunidade com certeza sempre abrilhantará minha formação acadêmica, mas acima disso, há um legado que manterá viva a minha humanidade e empatia ao longo de toda a trajetória que eu percorrer. Nós também carecemos de arte e cultura quando falamos de ciência, para que ao tocar uma alma humana, sejamos humanos", acredita.

À frente do projeto de extensão, a professora Maria Inez Montagner menciona que projeto de extensão estimula aproximação da literatura. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

 

PODER DA LEITURA – Maria Inez explica que o objetivo do projeto de extensão Leituras Literárias Compartilhadas é estimular o gosto dos alunos pela leitura, em especial, a literária, e que é aberto a todos que se interessam pela literatura e pela escrita.

 

"É mostrar que a leitura pode ser prazerosa e que a leitura acadêmica é uma versão específica dentro de um contexto maior das formas de escrita. Apesar de mais árida e técnica, a leitura de textos científicos é tão importante quanto a da literatura, dado que esta última estimulará a criatividade e a compreensão de textos mais densos. Não podemos, na academia e na vida, viver sem essas duas formas de leitura, que são altamente complementares", defende.

 

Ela enumera os diversos benefícios das práticas da escrita e da leitura proporcionadas pelo projeto. "O espaço de compartilhamento e de discussão proporcionado pelo LLC reduz o estresse do aluno, o auxilia na integração com o ambiente universitário, no contato social e na habilidade de debate de textos e argumentação. Isto tudo por compartilharem um amor com os pares: a leitura", menciona.

 

"Pensamos que não conseguiríamos nos conhecer melhor sem o apoio dos livros, pois nos transcendemos para outras esferas enquanto vivemos as histórias lidas. Conseguir se colocar na vida do outro e partilhar essa experiência é um estímulo à alteridade, tão necessário nas profissões em geral e, especialmente, no campo da saúde, quer seja na prática da pesquisa ou da extensão", acrescenta.

 

Maria Inez deixa um convite a quem queira conhecer o projeto. "Queríamos convidar mais pessoas, sobretudo as que afirmam não gostar de ler, a se aproximarem deste grupo de participantes do projeto e compreenderem que se pode sim amar os livros e, especialmente, ter grandes iluminações e prazer com a leitura", finaliza.

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