Confira a entrevista publicada na 40ª edição da Revista Participação

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Simone Loureiro Brum Imperatore é Pós-doutora e Doutora em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade Feevale (2017), Mestra em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2007) e Bacharel em Ciências Contábeis (2001) pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e licenciada em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil (2021). Em 2019, publicou o livro Curricularização da Extensão: experiência da articulação extensão-pesquisa-ensino-extensão como potencializadora da produção e aplicação de conhecimentos em contextos reais. Nesta entrevista, originalmente publicada na Revista Participação, ela fala sobre o papel social da Universidade, extensão no Brasil e na América Latina e sobre como reforçar a conexão com a sociedade.

 

Primeiro, gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória acadêmica e como começou sua relação com a Extensão Universitária

 

Sempre me identifico como uma trabalhadora: aluna trabalhadora, professora na área de gestão e negócios, e que se constituiu pesquisadora na e pela extensão. Minha formação inicial é Ciências Contábeis. Sou egressa de uma instituição comunitária, a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai das Missões – e já naquela época, no início dos anos 2000, eu já trabalhava com projetos aplicados dentro dos componentes curriculares, ou seja, aprendizagem baseada em projetos, no interior do Rio Grande do Sul. E já entendia que esta era a melhor forma de experienciar a trajetória de formação acadêmica. Também sou licenciada em pedagogia. Eu entendi que a minha missão era educação e retomei minhas origens, no curso de magistério. Então eu queria muito ter cursado pedagogia, pois foi a consolidação daquilo que eu já vinha fazendo em educação desde sempre. Sou Doutora em Diversidade Cultural e Inclusão Social e Mestra em Desenvolvimento Regional. Pode-se perceber que é uma formação bem eclética. Porque, na verdade, enquanto aluna trabalhadora, eu fui descobrindo caminhos. Não tive como planejar isso, eu fui fazendo. Aprendi desde cedo com processos de alfabetização na vida adulta, que, vamos dizer, meu braço na educação: alfabetização de jovens e adultos. Minha formação acadêmica começou fora da academia – aprendendo com saberes populares. Aprendendo com as pessoas, um aprendizado empírico e colaborativo.

 

De que Extensão fala o Plano Nacional de Educação? Ou seja, de qual Extensão estamos falando quando queremos que os estudantes cumpram 10% do currículo dedicado a essas atividades?

 

Costumo dizer: de qual extensão não estamos falando? A gente não está falando de uma extensão bancária, que prescreve saberes – transferencista, unidirecional, autoritária, invasiva. A gente está trabalhando sob a perspectiva da extensão crítica. Ou seja, uma extensão crítico-reflexiva, produtora de conhecimentos. Uma extensão construída de forma dialógica, construída com as comunidades e com os diferentes públicos. Esse é o maior exercício da universidade que também aprende, aprende a dialogar e tem que se despir da sua vaidade epistêmica. Então nós estamos falando de uma extensão que problematiza a realidade, que teoriza dialogicamente acerca dessas demandas, dessas problemáticas sociais, que aplica conhecimentos em prol da resolutividade de questões sociais, que sistematiza, que avalia resultados. E esses aprendizados se referem à aprendizagem de ciência, exatamente ao nível de resolutividade das ações desenvolvidas sob a perspectiva dos públicos. Então essa extensão se dá em uma perspectiva de compromisso com a transformação social, mas é uma extensão que tem metodologia, que tem sistematização. Porque ela não quebra com aquela espécie de voluntarismo, então, na verdade, ela obrigatoriamente se embasa na elaboração fundamentada em projetos, com a delimitação de questões essenciais de forma estratégica, com um acordo de trabalho. No entanto, tudo isso está inserido em propostas diversas, que podem ser pesquisa-ação, aprendizagem baseada em projetos, ou até mesmo educação, design thinking aplicado à extensão. A extensão está associada ao fato de estarmos habituados a trazer um projeto da universidade e aplicá-lo na sociedade. E essa é uma das questões nas quais vou me concentrar dentro do Plano Nacional de Educação, que destina 10% do currículo a programas e projetos de extensão. Essas ações pontuais precisam estar dentro de um projeto, deve ser uma ação de médio e longo prazo, comprometida verdadeiramente com a continuidade das ações. E essa abordagem emerge dessa análise da realidade, desse ciclo completo, desde a compreensão da realidade até a observação e a discussão. Ação, reflexão e ação. É uma práxis educativa, colaborativa, que se efetiva no contexto social. Sempre em diálogo com uma variedade de públicos, sejam eles os implicados, alvos ou beneficiários - públicos participantes visando a coprodução e aplicação de conhecimentos para a concretização da transformação social. Em minha visão, esse é o elemento que opera; deve ser mantida essa perspectiva de continuidade a médio e longo prazo. Ela tem que ser processual e tem que ser orgânico-institucional, tem que ter aderência ao alinhamento estratégico e, especialmente, tem que ter aderência aos objetivos acadêmicos e comunitários – alinhada ao perfil de formação dos acadêmicos e acadêmicas, alinhado ao perfil de formação dos cursos e alinhadas demandas pactuadas com a própria sociedade, orientada por um processo metodológico. Claro que ela assume uma dimensão pedagógica, desde que conectada ao ensino e a pesquisa: é uma questão importantíssima. Passa por uma teorização, não somente acadêmica, mas como fundamento da ação. Isso exige uma teorização que parta também das práticas sociais, dos conhecimentos sociais que vão trazer novas perspectivas para o próprio conhecimento acadêmico. Por isso, sempre tenho dito que esta Extensão é uma inovação curricular com impacto social.

 

Quais desafios as Instituições de Ensino Superior brasileiras têm enfrentado na implementação da meta 12.7 do PNE?

 

O principal desafio é a construção de uma epistemologia da extensão. Vamos refletir e ressignificar de que extensão nós estamos falando, de que pesquisa nós estamos falando. Coerentes com a missão, visão e valores da própria instituição. Porque não existe uma prescrição, uma fórmula, porque extensão é identidade. Identidade institucional, ou seja, para entender de que extensão nós estamos falando, de que instituição e de que proposta educacional? Outra questão é a instituição se colocar como aprendente, não como uma instituição que tem a responsabilidade de levar conhecimento a uma relação extramuros. Aprender a dialogar de forma intra-institucional, dentro da universidade, tem sido um desafio permanente, para que se possa estabelecer um diálogo efetivo com a comunidade. Nós temos dificuldades de dialogar dentro da própria instituição exatamente por segmentações que existem dentro das próprias instituições de ensino superior. Outro desafio é a formação docente. Nossos docentes não têm formação ou experiência em extensão. Não teve na sua formação acadêmica, não tem na sua vivência acadêmica, não tem no seu fazer acadêmico – a extensão é uma grande incógnita. E nós precisamos investir em formação docente e experiência docente, e aqui me refiro a programas e projetos em extensão, ou seja, um percurso sistematizado e orgânico de ações concertadas. Concertadas com “c”, harmonizadas. E da ressignificação do papel deste professor, desta professora, que deixa de ser o único referencial de um componente curricular. Abre a outros referenciais dentro da construção do conhecimento. Quero outros especialistas, quero saberes populares, quero ampliação inclusive do próprio processo e reflexão teórica a partir do incentivo à iniciação científica. O desafio para a instituição é sua auto reflexão acerca do seu compromisso histórico com a educação. Mas, ao mesmo tempo, de que educação nós estamos falando? Para que possamos entender de que extensão nós estamos falando, e de que pesquisa, dada esta indissociabilidade.

 

Como a Extensão pode fortalecer o papel social da universidade?

 

Eu já presidi o Prêmio de Responsabilidade Social da América Latina da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, tenho uma longa trajetória no Observatório Social da América Latina e Caribe. Então vejo que há um equívoco ao dizer que a extensão é o braço social da instituição. Eu costumo perguntar assim: então a pesquisa não tem responsabilidade social? Qual é a responsabilidade social do ensino, da gestão? Por isso, eu falo que é um processo orgânico institucional. Tudo isso está articulado, então a extensão, sim, fortalece o papel social – em conjunto com as demais dimensões acadêmicas. Então, afinal de contas, qual é o compromisso social das instituições? O que cada uma delas estabelece como diretriz? Qual a concepção de compromisso social? Como ela delineia a sua política de responsabilidade social e de política cultural, por exemplo? Porque normalmente as políticas de ensino, pesquisa e extensão estão todas muito bem estabelecidas: Inovação, ensino, pesquisa, extensão e internacionalização. Está tudo lá, mas por vezes eu sinto uma carência muito grande das políticas de responsabilidade social, especialmente socioambiental. Eu acho que o fortalecimento do papel social da universidade precisa considerar a extensão um dos braços, uma das dimensões que são concertadamente responsáveis pelo papel social da universidade. Nesse processo contínuo, permanente, de ressignificação e reflexão institucional.

 

Sempre falamos sobre o tripé Ensino-Pesquisa-Extensão. A curricularização fortalece a Extensão, mas como podemos tornar essa articulação mais equilibrada?

 

Nós temos um marco legal que preceitua todos esses aspectos. Um conjunto de leis, desde a Constituição até a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que estabelece essa conexão entre ensino, pesquisa e extensão, em diferentes momentos. Posteriormente, isso se reflete nos planos nacionais. Na verdade, o currículo da extensão – e você observa que ainda continuo referindo-me à curricularização, permita-me a expressão – pois entendo que em ação, um currículo em movimento, particularmente na América Latina, tem uma semântica mais forte: curricularização como um currículo em ação. Esta é a diferença da extensão à qual estamos nos referindo, pois essa intenção não admite a possibilidade de desvinculação da pesquisa. Desde sua concepção, ela já nasce com essa prerrogativa. É uma extensão intrinsecamente vinculada à pesquisa. Quando falamos em pesquisa, que tipo de pesquisa estamos considerando? Esse é outro aspecto que devemos abordar. Quando mencionamos problematização, compreensão da realidade, diagnóstico – estamos, na verdade, falando de pesquisa. Quando tratamos da teorização sobre essas questões fundamentais para a ação, do que estamos falando? Estamos falando de pesquisa, da construção de conhecimento, não é mesmo? Mas, é claro, não se trata apenas de conhecimento teórico; também engloba o conhecimento das práticas sociais e sua eficácia. Além disso, ao mencionar o desenvolvimento das ações, que é verdadeiramente o cerne da prática extensionista, e toda a avaliação de resultados - o que é isso? Também se trata de pesquisa. E a sistematização do conhecimento adquirido, das aprendizagens, da experiência que trago aqui, citando meu estimado Oscar Hara, que atualmente está enfrentando problemas de saúde, mas continua sendo nossa inspiração constante em relação à sistematização do conhecimento. Portanto, nós chegamos a um ponto em que não consigo mais pensar em uma extensão que não abarque isso, por isso ela não pode ser esporádica, concorda? Quando mencionei anteriormente a questão dois, falava justamente disso: uma extensão fundamentada no diagnóstico, na vinculação com os territórios e com o público, e isso só é viável por meio de diversas metodologias, todas orientadas pela pesquisa. Sinceramente, não consigo visualizar uma abordagem diferente.

 

Quais premissas conceituais definem uma atividade acadêmica como extensão universitária passível de ser inserida no currículo? Sem aumento de carga horária, a inserção curricular pode prejudicar a formação dos estudantes em componentes optativos?

 

Primeiramente, a extensão está articulada à pesquisa, é dialógica e orientada por um rigor metodológico que a constitui como princípio, processo e metodologia de aprendizagem em contexto real. Isso se constitui como um ethos de cocriação e aplicação de conhecimentos para solução de problemas reais. São algumas premissas, embora não todas, que definem e orientam essa reflexão sobre a extensão. Por que estou falando nisso? O debate gira em torno do aumento da carga horária e da inserção curricular. Primeiramente, a legislação determina não apenas 10% do currículo em programas e projetos de extensão. Além disso, há a questão da universalização da extensão, ou seja, a experiência extensionista é abrangente e universal. Portanto, não podem ser componentes seletivos, devem ser optativos ou ter outro nome que sugira isso. A menos que todos os cursos optativos tenham essa conotação extensionista, pois o histórico do aluno deve evidenciar sua trajetória extensionista. Dentro de um currículo flexível, a instituição pode alocar 10% de maneira flexibilizada para que o aluno possa escolher em quais programas e projetos ele deseja participar de acordo com seus interesses e percurso formativo. Gosto da abordagem do professor Gustavo Menezes, um argentino que apresenta uma nova forma de conhecer. Tenho trabalhado com várias possibilidades de integração e inserção curricular da extensão. Claramente, a melhor opção seria revisitar e reestruturar completamente o currículo. Isso permitiria partir do princípio, revisar toda a proposta, já que o currículo deve ser algo unificado. Necessidade de revisão e estabelecimento de uma trilha extensionista desde o início, transversal a todas as etapas do currículo, desde a matriz curricular. Além disso, tenho visto a possibilidade de uma estratégia metodológica que emerge da leitura territorial para identificar demandas e problemas locais. No entanto, essa priorização deve surgir do diálogo com os públicos locais para definir quais demandas merecem prioridade. A partir disso, revisitar o currículo para identificar os componentes curriculares que dialogam com essas demandas e transformá-los metodologicamente, adotando a aprendizagem baseada em projetos e outras metodologias.

 

A maioria dos professores não possui essa experiência em formação e extensão, e não consegue compreender que não há aprendizagem mais significativa do que a vivência, a experiência em si. Isso poderia ser discutido por um tempo considerável, mas trata-se de aprendizagem experiencial. Nesse sentido, não há necessidade de aumentar a carga horária; precisamos, na verdade, mudar a estratégia de trabalho. Em vez de transmitir conhecimento, os alunos aprendem ao fazer, a partir de todo o ciclo descrito anteriormente: compreender a realidade, problematizar, diagnosticar, utilizar essas demandas e questões fundamentais. Isso inclui diversificar os referenciais e os componentes curriculares, incorporando a escuta desses públicos e saberes presentes no cotidiano das comunidades, que agregam conhecimentos adicionais. Simultaneamente, propõem-se ações, desenvolvem-nas, avaliam-nas, consideram sua eficácia, mas em diálogo com os públicos, tendo em vista suas perspectivas. Finalmente, a sistematização do conhecimento é essencial. Muito se fala em metodologias ativas, entretanto, não há metodologia mais ativa do que a pesquisa e extensão. Estamos tratando da experiência de aprendizagem. Não se trata de ocupar um espaço extra; a extensão não é um acréscimo, mas sim parte integrante.

 

Durante a pandemia, para que a Universidade não parasse, a Extensão foi realizada de forma remota. Você enxerga novas possibilidades de diálogo entre Universidade e Sociedade?

 

Eu vivenciei essa realidade durante o período pandêmico. O desenvolvimento de projetos, de ações, depende da natureza do público envolvido. Portanto, se estivermos trabalhando com empresas, é viável executar parte dessas ações de forma remota. Se estivermos lidando com escolas, também é possível realizar algumas etapas remotamente. Entretanto, ao considerar o trabalho com comunidades quilombolas, indígenas ou outros públicos em situação de vulnerabilidade, observo muitas dificuldades para realizar atividades de forma remota. Em alguns casos, tivemos trabalhos que se distanciaram significativamente da concepção de extensão que mencionei anteriormente, focando essencialmente na comunicação, socialização de conhecimentos e disponibilização de acesso por meio de cursos e eventos. Apesar disso, acredito que, dentro dessa extensão que busca promover uma reconexão da universidade com a sociedade, as tecnologias podem nos auxiliar em vários aspectos. Parte dessas atividades pode ser realizada de forma remota, já que não se trata de uma situação em que todos estão no mesmo lugar, ao mesmo tempo, o que é evidente em uma dinâmica de sala de aula. Imaginemos, por exemplo, que em uma aula com sessenta alunos, dividimos a turma em dez grupos de seis estudantes cada, abordando temas como matemática e direitos humanos. Cada grupo desenvolve projetos distintos de acordo com a realidade vivenciada, seja em uma associação de bairro, escolas, local de trabalho, órgão governamental, entre outros. Dependendo dos públicos desses grupos, teremos projetos diferentes, pois cada um estará vinculado à realidade específica que abordam. Todos passarão por etapas de diagnóstico, problematização e ciclo de ação. Dessa forma, acredito que algumas dessas etapas podem ser realizadas à distância, de forma conectiva e colaborativa, especialmente no contexto da internacionalização dessas atividades. Observando as experiências de nossos colegas latinoamericanos, em particular na extensão crítica, percebo a oportunidade de ampliar discussões sobre questões comuns e problemáticas que enfrentamos. Portanto, vejo possibilidades de parte das atividades serem conduzidas remotamente, embora não integralmente, de maneira alguma.

 

Desde 2017, a UnB atua no DF e Entorno por meio dos Polos de Extensão, em conjunto com a comunidade das cidades, de movimentos sociais, da sociedade civil e do poder público. Considera que essa territorialização é importante para a relação entre Universidade e Sociedade?

 

Enfrentamos desafios consideráveis na extensão, principalmente no que diz respeito à reconexão da universidade com a comunidade, considerando sua história e contexto, e especialmente com seu território. É crucial direcionar o aprendizado para o diálogo social, vislumbrando novas possibilidades de interação entre universidade e sociedade. Tenho dedicado esforços à perspectiva de fóruns comunitários, tanto para estabelecer diretrizes e linhas de trabalho quanto para as devolutivas. Antes de agir, é imperativo ouvir. A vinculação social se apresenta como um amplo fórum, tema abordado em meu livro publicado em 2019, embora seja uma experiência datada desde 2010. A sistematização de uma década de trabalho iniciou-se com a escuta ativa e empática para compreender a sociedade, suas demandas e construir trilhas extensionistas no currículo. Visualizo diversas possibilidades, mas para isso a universidade precisa, inicialmente, promover um esforço dialógico institucional. Isso requer um diálogo intra e interinstitucional, entre a instituição de ensino superior e outras entidades. A instituição deve aprender a dialogar e passar por um processo de territorialização e levantamento de dados sobre esses territórios. É necessário institucionalizar linhas de trabalho orientadas por esse diálogo, pactuação e priorização, alinhadas ao marco estratégico da extensão e da universidade, coerentes com sua missão, visão, valores e princípios educacionais. Além disso, é fundamental sistematizar fluxos, processos, registros e evidências, integrando essas informações aos documentos institucionais como o PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional), PTC (Projeto Pedagógico do Curso), PVCs (Projeto de Vida do Curso) e nos processos avaliativos, bem como na documentação dos alunos e registros acadêmicos. Devemos explorar diversas possibilidades, como a difusão através dos sites universitários, estabelecimento de novos canais de relacionamento e a criação de canais para registrar as demandas da sociedade. Requer-se, portanto, o restabelecimento de fóruns comunitários para a construção de um currículo tripartite, cuja responsabilidade é compartilhada entre a instituição de ensino, a comunidade acadêmica (docentes e técnicos-administrativos) e a comunidade implicada e participante dessa proposta curricular.

 

Como aprofundar a conexão com os povos desses territórios?

 

Falo aqui sobre a territorialização, do movimento da universidade para além de seus muros, estabelecendo uma conexão social e política conjunta com a comunidade, a sociedade, os movimentos sociais, organizações sociais e todos os setores, inclusive o poder público. Essa territorialização, como mencionei anteriormente, é um estágio crucial para qualquer estratégia de extensão. Entendo isso como a essência do processo. Para aprofundar essa conexão, destaco a importância dos fóruns comunitários. É necessário que os diversos atores sociais, movimentos e instituições governamentais, sociais e coletivas também se envolvam no território universitário. Essa interação busca não apenas aprofundar a conexão dos povos com o território, mas também da universidade com esses territórios e todos esses atores sociais, governamentais e empresariais. A recíproca é fundamental. Nos cursos de engenharia, por exemplo, é crucial definir com quem iremos dialogar. Dentro da reflexão sobre a ressignificação da extensão, surge a questão fundamental de com quem estabelecer diálogo. Essa definição faz parte do perfil de formação dos alunos e dos cursos. Estabelecer rotas de aproximação com os territórios não basta; é necessário criar canais de comunicação e vínculo contínuo. É preciso desenvolver estratégias de relacionamento. O modo como isso será realizado depende da disposição da instituição de ensino superior em dialogar e compartilhar a responsabilidade do percurso formativo com a sociedade. Destaco também uma premissa fundamental: a formação socioformativa. Esse conceito enfatiza uma formação em sociedade, com a sociedade e orientada pelas demandas sociais. Portanto, estamos falando de uma formação que se dá em conjunto com a sociedade e é direcionada por suas necessidades.

 

Hoje, você tem vínculo com a Universidade Nacional Autônoma de Honduras. Como enxerga a Extensão nas Universidades brasileiras em comparação com o resto da América Latina?

 

Faço parte da Uleu (União Latino-Americana de Extensão Universitária) e sou consultora do Observatório de Responsabilidade Social da América Latina e Caribe. Desde 2010, tenho me aproximado das práticas extensionistas na América Latina. Temos exemplos como a curricularização, pioneira no Uruguai, e sucessivamente, na Argentina, com inúmeras modelagens de curricularização da extensão, já com mais de uma década de experiência e resultados. Na América Latina, vemos um esforço onde a curricularização não é obrigatória em todos os países, mas em locais como Honduras, mesmo não sendo legalmente obrigatória, está sendo concebida como uma experiência de aprendizagem indispensável e universalizada para todos os acadêmicos. Nesse contexto, percebo que a reflexão sobre a extensão na América Latina está mais avançada, considerando a natureza pública da educação superior. Há um compromisso com a transformação social inerente às instituições públicas e comunitárias. Isso confere à extensão um sentido distinto. No Brasil, com a predominância do setor privado na educação superior, seja pelo número de instituições privadas ou pelas matrículas nesse setor, a perspectiva é diferente. Estamos falando de instituições predominantemente organizadas administrativamente como faculdades, em grande medida sem tradição de pesquisa. Isso dificulta a concepção de uma extensão crítica, articulada à pesquisa, que não seja meramente transferencista, que não se restrinja à mera socialização do conhecimento acadêmico ou à prestação de serviços. No entanto, essa tem sido a formulação mais comum nas universidades brasileiras. Há a tendência de pulverizar ações no currículo, o que é um equívoco conceitual e contraditório ao que temos construído nos últimos vinte anos no Brasil em relação ao sentido da extensão. A falta de organicidade, intencionalidade e participação da comunidade nessa definição preliminar é evidente, especialmente por vezes ausência de uma concertação. Essa diferença é evidente devido à natureza das instituições e à sua história. Esses estágios e abordagens são distintos e, embora seja possível aproximação, são de naturezas diferentes. Há países latino-americanos, como a Costa Rica, com experiências notáveis. No entanto, a comparação é menos importante do que a articulação de ações e a oportunidade de aprendizado mútuo. É crucial construir pontes dialógicas com a América Latina e refletir sobre a construção de um modelo endógeno de educação, distante dos modelos exógenos norte-americanos e europeus. Isso implica em uma universidade comprometida com sua comunidade, sua história e território. Essa aproximação com a América Latina é relevante para a construção de uma identidade latino-americana no contexto universitário. A participação em fóruns internacionais é fundamental para essa construção de identidade e para a reflexão sobre uma universidade latino-americana.

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